domingo, 8 de setembro de 2019

O armário desarrumado

Tenho sempre dito que a minha casa sou eu e é verdade.

Devo confessar que em mim cabe um armário.

Numa casa em que vivia havia uma despensa que quando se abria a porta, caía sempre um monte de roupa por passar, que durante semanas nunca deixava ver o conteúdo das prateleiras que supostamente estavam tapadas por essa cordilheira de roupa.
Sei que de vez em quando vislumbrava uma lata de leite Molico, que comprei um dia em que uma bruxa fez anunciar que iria haver um terramoto seguido de tsunami em Lisboa.
Como a minha filha era pequena pareceu-me que estaria bem comprar uma lata de leite em pó.
Essa lata permaneceu na despensa até eu um dia ter decidido deita-la fora após ter confirmado, que estava tão fora de prazo como o dito terramoto.
O grande segredo era que debaixo da roupa jaziam subterrados todos os meus segredos.
Um telemóvel que comprei às escondidas para falar com as minhas amigas.
Era um Motorola daqueles a que chamávamos um tijolo, contas velhas, extratos do banco da minha conta conjunta, que eu fazia desaparecer da caixa do correio porque cada extrato, cada discussão em
que eu  participava com uma única frase: "Eu não sei o que isso é. Deves ter sido tu".
Não me perguntem porque é que eu não deitava fora as ditas cartas.
Sei lá. Devia pensar que esconde-las era mais honesto.
Vestidos que eu comprava com o dinheiro que o meu pai me dava em vez de o encaminhar para as batatas etc.
Como não ficamos sempre iguais, fui evoluindo e ganhando novas competências.
A roupa passou a estar sempre passada a ferro e eu tive que arranjar um armário.
Passei tudo para o meu armário do quarto.
Caos.
Ficou tudo em sacos plásticos.
Quando saía levava os sacos comigo e punha no porta bagagens.
Um dia a minha amiga Rosário com quem eu tinha "autorização para sair", quando batemos a porta de casa perguntou-me:
Há meses que cada vez que saímos vens com sacos plásticos atrás. O que é que trazes aí?
Dei uma resposta esfarrapada e a Rosário compreendeu que era melhor dar por encerrada a conversa.

Passaram 40 anos.
No outro dia ouvi a seguinte repreensão: Tens o armário todo desarrumado e andas sempre com sacos.
Sorri.
Entretanto fiz terapia mas nem o tempo nem o dinheiro deram para chegar à questão do armário.
Quando voltar talvez seja melhor começar por aqui.

0 comentários:

Postar um comentário

Template developed by Confluent Forms LLC; more resources at BlogXpertise