Viver com cancro é fazer de cada dia uma aventura vertiginosa.
Primeiro acordamos e confirmamos que estamos mesmo na nossa cama e não numa nuvem fofa (a cama também é fofa) cheia de anjinhos a atazanarem-nos a paciência sobre coisas que teremos feito mal e sobre as quais insistimos que nem nos lembrarmos.
Depois chega a grande cena do pequeno almoço. Uma grande fatia de pão branco cheia de manteiga fresca e um grande copo de leite. Não, não e não. Um chá e torradas de pão escuro, que nem chegam a saber tão bem assim porque um sininho nos vai alertando (deve ser amigo dos anjinhos)que devíamos era estar a beber um saudável sumo multivitamínico.
Agora ficaram para trás os grandes banhos de espuma. A hora do banho é nova aventura.
Tentar passar o gel o mais rápidamente possível porque as pontas dos dedos podem chocar com qualquer coisa que não devia estar onde está. Lavar debaixo do braço é um desporto radical.
Sim, porque ao outro já fizeram o favor de me aliviar dessa preocupação.
Bom, e lá começa o dia em que vamos fazer de "sem preocupações". Dura pouco. Porque a partir de uma determinada fase do dia só queremos mesmo é ir para casa e ficar sózinhos. Chegam as memórias e sofremos baixinho.
Hora de dormir. Vamos por umas horas esquecer tudo. Um alívio.
Deitamo-nos e ouvimos o coração de quem gostamos muito. E se não tivermos tempo???